Ladeira escorregadia ou bola de neve
A falácia da ladeira escorregadia, também conhecida como “bola de neve”, ocorre quando alguém argumenta que permitir um evento inicial levará inevitavelmente a uma cadeia de eventos, culminando em uma consequência catastrófica. Embora esse tipo de lógica nem sempre seja falaciosa, muitas vezes é.
Proibição de discurso de ódio
Alguns elementos-chave ajudam a entender por que a ladeira escorregadia é um tipo de raciocínio que pode parecer convincente, mas é falacioso. Vamos explorar esses elementos usando o exemplo da proibição de discursos de ódio.
“Se permitirmos que o Estado proíba discursos de ódio, como falas racistas, poderemos abrir um precedente perigoso, na medida em que estamos limitando a liberdade de expressão para garantir um bem social. Assim que a liberdade de expressão não for mais absoluta, se pensará em outros males sociais que podem ser evitados com a proibição da expressão. A sociedade poderá proibir coisas como a pornografia, considerando os danos que causa a jovens e adolescentes que estão expostos à ela. Em seguida, proibir certas ideias que são claramente falsas, mas que continuam sendo veiculadas, como alegações de que as vacinas provocam autismo. No fim, chegaremos a um ponto em que quem está no poder irá definir o que pode ou não ser expresso pela população, o que nada mais é do que o fim da liberdade de expressão.”
Passo inicial
O primeiro elemento é o passo inicial, que abre o precedente e é o ponto de partida da ladeira escorregadia. No nosso exemplo, o passo inicial seria a proibição de discursos de ódio. Essa ação é tomada com a intenção de promover um bem social, que em geral é considerado desejável por muitas pessoas. No entanto, essa decisão também estabelece um precedente: a ideia de que a liberdade de expressão pode ser limitada para alcançar objetivos sociais específicos.
Ausência de uma regra absoluta
O segundo elemento é a ausência de uma regra absoluta que restringe o avanço da ladeira. Antes da proibição dos discursos de ódio, a liberdade de expressão era considerada um direito absoluto, protegendo até as falas mais polêmicas. Mas, ao permitir uma exceção, enfraquece-se essa regra absoluta. Sem uma barreira clara que impeça novas restrições, surge a possibilidade de que outros tipos de discurso possam ser censurados, desde que sejam considerados socialmente prejudiciais.
Sequência plausível de eventos com um passo final catastrófico
O terceiro elemento é a sequência plausível de eventos que leva a um resultado grave ou catastrófico. No exemplo, após a proibição dos discursos de ódio, o próximo alvo poderia ser a pornografia, seguida pela restrição à disseminação de informações falsas. Esse caminho poderia evoluir até que o Estado, gradualmente, passasse a determinar de forma abrangente o que pode ou não ser expresso, culminando em um cenário onde toda a liberdade de expressão é severamente controlada, resultando em um regime autoritário em que qualquer forma de dissidência é silenciada.
Esses três elementos – o passo inicial, a ausência de uma regra absoluta, e a sequência plausível de eventos – juntos, formam a estrutura da falácia da ladeira escorregadia. Trata-se de uma estratégia argumentativa poderosa, na medida em que consegue tornar plausível o risco de que algo grave venha a ocorrer.
A ladeira escorregadia geralmente é uma falácia porque assume que, uma vez dado o passo inicial, a sequência de eventos é inevitável e incontrolável, levando diretamente a um resultado grave.
Entretanto, o que essa falácia ignora é a capacidade da sociedade de colocar limites claros e tomar decisões baseadas em critérios distintos para cada caso. Considere o exemplo da liberdade de expressão. No Brasil, ela não é absoluta. Já em 1989, logo depois de publicada a constituição atual do país, a lei nº 7.716/1989, artigo 20, definiu como crime expressões discriminatórias e de apoio ao nazismo. Nem por isso estamos rumando a uma sociedade sem liberdade de expressão.
Referência
Douglas Walton. Lógica Informal: manual de argumentação crítica. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.